A participação no desporto é predominantemente considerada como favorável à saúde mental dos jovens. A participação desportiva contribui para um desenvolvimento psicossocial mais alargado, reforçando competências como a comunicação, a responsabilidade e a regulação emocional. No entanto, muitos jovens abandonam o desporto durante a adolescência.
Dois dos principais factores associados ao abandono são a perceção de competência insuficiente e a redução do prazer de praticar desporto. Potencialmente, isto pode estar relacionado com preocupações relativas à natureza cada vez mais competitiva dos desportos juvenis.
No entanto, os jovens envolvidos em ambientes altamente competitivos enfrentam uma série de factores de stress que podem contribuir para experiências mais difíceis. É inegável que tem havido uma rápida transição cultural em muitos países para desportos juvenis cada vez mais profissionalizados. Estes tendem a centrar-se em cargas de treino intensas e frequentes, com ênfase nos resultados de desempenho.
As tendências recentes para os desportos “centrados na juventude” nos Jogos Olímpicos acentuam este padrão. Por exemplo, as vencedoras de medalhas femininas no skate de rua nos últimos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 tinham 13, 13 e 16 anos de idade. Para que os investigadores e os profissionais possam apoiar melhor os jovens no desporto, temos de pensar cuidadosa e criticamente sobre a natureza destes ambientes de alto rendimento e examinar como eles interagem com a saúde mental dos jovens (Walton et al., 2024).
Conceito de Salvaguarda (safeguarding)
Salvaguardar refere-se a ações assumidas visando garantir que todas as crianças estão seguras de qualquer tipo de dano quando envolvidas nos nossos clubes e atividades. (International Safeguarding Children in Sport Working Group, 2015).
Estas acções referidas na definição nem sempre são visíveis, mas devem estar presentes.
Se um pai considera que determinado comportamento de outros pais, de dirigentes ou treinadores, coloca em causa o bem-estar do seu filho deve esclarecer a situação.
Não estou a falar de exigência, faz parte de treinar que exista algum tipo de desafio para que ocorram mudanças, neste caso melhorias de desempenho, mas também de alegria e satisfação.
Há momentos em que as coisas não estão a correr bem, frustração faz parte do processo, pode ocorrer choro em atletas mais jovens, o que não significa que exista qualquer tipo de negligência relativa ao bem-estar da criança.
Nervosismo, frustração, são naturais e até certo ponto saudáveis, mas ansiedade, raiva, associadas a reacções dos adultos envolvidos na participação já não o são.
O Comité Olímpico Internacional (COI) em 2008 fez uma declaração de Consenso sobre o Treino da Criança Atleta de Elite em que afirma que:
“Todo o processo desportivo da criança atleta de elite deve ser agradável e gratificante”.
O Código Médico do Movimento Olímpico (2009), sublinha que todas as partes interessadas “devem velar por que o desporto seja praticado sem perigo para a saúde dos atletas e no respeito do fair play e da ética desportiva (…) [e devem tomar] as medidas necessárias para proteger a saúde dos participantes e minimizar os riscos de lesões físicas e danos psicológicos”.
Abuso Emocional
“O abuso emocional pode ser a preocupação de salvaguarda mais prevalecente no desporto juvenil.”
Gervis M, Dunn N.(2004)
O estudo de Alexander et al.(2011), revelou que, numa amostra de mais de 6000 jovens no Reino Unido, 75% tinham sido vítimas de abuso emocional no âmbito do desporto de formação.
Stirling e Kerr (2008) definiram o abuso emocional no desporto como “um padrão de comportamentos deliberados sem contacto físico por parte de uma pessoa num papel de relacionamento crítico que tem o potencial de ser prejudicial. Os actos de abuso emocional incluem comportamentos físicos, comportamentos verbais e actos de negação de atenção e apoio”.
No fundo o que a definição nos dá, é que existem pessoas com papel importante para os jovens atletas que dependendo dos seus comportamentos poderão causar danos emocionais e psicológicos nos mesmos. Desprezar, aterrorizar, isolar, menosprezar, humilhar, gritar, servir de bode expiatório, rejeitar, isolar, ameaçar ou ignorar são tudo formas de abuso emocional.
De quem é a responsabilidade da segurança e bem-estar no desporto de formação?
No desporto de formação, no desporto que envolve crianças e jovens até aos 18 anos de idade, os responsáveis são os adultos envolvidos, pais, treinadores, dirigentes, fisioterapeutas, psicólogos, etc.
“Qualquer pessoa pode ser autora ou testemunha de maus-tratos a crianças no desporto.” (Alexander et al., 2011; Rhind et al., 2015)
Pais, treinadores e pares
São os três grupos mais importantes na participação desportiva (Sheridan et al., 2014), quando correm bem e quando corre menos bem. Um reparo, uma crítica de um colega de equipa ou treinador, tem muito mais impacto que o de um desconhecido.
Pais, treinadores e pares, todos presenciam comportamentos que poderão não ser promotores de bem-estar, cabe a cada um agir para salvaguardar os jovens atletas.
Por exemplo, um pai vê um treinador a ser mais agressivo para com o seu filho após um desempenho menos alinhado com as expectativas do treinador, e repara que é um comportamento recorrente, e que na sua opinião é injustificado. Cabe a este pai esclarecer as coisas, e não é por o treinador ser muito conceituado que o pai deva considerar que “tem de se assim”.
Da mesma forma, uma treinadora que verifica que uma determinada mãe é demasiado exigente com a filha, que a humilha com frequência, deve falar com a mãe de modo a esclarecer as coisas, salvaguardando o bem-estar da jovem atleta. Mesmo que a atleta seja acima da média, a treinadora não deve ter receio de falar, sendo que o risco de a mãe ameaçar a saída é menos importante do que salvaguardar a criança.
Os pares, embora tenham menos poder de decisão, têm o poder de dirigir-se aos adultos responsáveis e alertar para determinadas situações. Podem alertar para abuso de pais, treinadores, dirigentes ou outros colegas.
Cultura de Salvaguarda
A cultura de salvaguarda é influenciada pela presença e natureza de três temas de primeira ordem interligados: sistemas de gestão de segurança, compromisso da liderança e envolvimento das partes interessadas.
Sistemas de gestão de segurança, são procedimentos que as organizações dispõem para garantir que se algo existir, há mecanismos para lidar com a situação.
Quando se dispõe de boas estruturas, é possível haver rotatividade, as pessoas podem ir e vir porque há uma alternativa… é possível ter estruturas muito boas e pessoas menos boas e ainda assim acontecer muita coisa, apenas em virtude dos sistemas existentes.
Envolvimento das partes interessadas, é uma forma entusiástica de participação enraizada nos cuidados e no investimento pessoal na salvaguarda. Pais que se envolvem e participam na salvaguarda dos jovens (seus filhos ou não) são peças fundamentais.
Compromisso da liderança, reflecte que o nível mais elevado de autoridade (por exemplo, directores, proprietários e gestores) é o que tem mais impacto na cultura de salvaguarda da organização, pelo que pode exercer um impacto positivo quando demonstra empenho na mesma. Se disserem e mostrarem que esta é uma prioridade fundamental, então torna-se uma prioridade fundamental.
Não é muito visível…
…mas é essencial se quisermos ter jovens atletas que se mantêm no desporto e dele retiram tudo que de bom tem para oferecer.
A responsabilidade é dos adultos.
“Falo sobre isso como um fio, não como um cobertor. Falo em tecer um fio condutor em tudo o que fazemos. Não é visível, não se vê necessariamente a proteção na nossa cara todos os dias, mas sabemos que está lá.”
Director de Safeguarding no Euro 2020
Foto de Adrià Crehuet Cano na Unsplash