Os Jogos Paralímpicos de Paris 2024 têm estado a decorrer desde o dia 28 de Agosto, e admito que embora não esteja surpreendido, estou fascinado com a capacidade que os seres humanos têm de superar dificuldades.
A maioria dos desportos em competição foram adaptações de desportos para pessoas sem deficiência, e por essa razão a criatividade e vontade de fazer são dignas de reconhecimento.
A realidade
Os atletas presentes, são pessoas com deficiência física, sensorial ou intelectual.
Essa é a sua realidade, o que quer que seja que aconteceu, seja algo adquirido ou de nascença, é a sua realidade, e isso não os impede de se esforçarem e lutarem pelos seus objectivos, apesar de na maioria dos casos, terem ainda menos apoio e mais dificuldades na sua prática desportiva.
Em Paris 2024 estão 27 atletas portugueses, num total de 4400, de 180 Comités Paralímpicos Nacionais, mais uma equipa de refugiados e outra de atletas neutros, num total de 22 modalidades.
No momento em que escrevo este artigo, temos 4 medalhas, duas de ouro e duas de bronze.
Uma das nossas atletas é a Cristina Gonçalves, atleta de Boccia, que soma em Paris2024 a sua sexta participação em Jogos, conseguiu na Arena Paris Sul a sua quarta medalha paralímpica, a primeira em competições individuais.
Em equipas BC1/BC2, Cristina Gonçalves, de 46 anos, foi bronze no Rio2016, prata em Pequim2008 e ouro em Atenas2004.
Outro atleta é Gabriel Araújo, nadador brasileiro da classe S2, não tem braços e tem pernas muito curtas, mas nem isso o impede de nadar e de já ter ganho três medalhas de ouro em Paris.
Numa entrevista, “Gabrielzinho” como é conhecido, disse:
“Não tenho limites, nem tanto para viver, nem para sonhar.”
Estes são dois exemplos de atletas que demonstram que apesar dos desafios, revelam a robustez mental necessária para alcançar os seus objectivos.
Robustez Mental – (Mental Toughness)
A robustez mental (RM) caracteriza-se pela resiliência, perseverança, capacidade de lidar eficazmente com a pressão ou a adversidade, motivações para alcançar o sucesso (predominantemente intrínsecas) e um profundo sentido de propósito e, por conseguinte, envolvimento em actividades e encontros pessoais.
Numa análise dos estudos quantitativos sobre a RM, Cowden (2017) forneceu provas que apoiam a influência positiva da RM no sucesso desportivo. Em 10 estudos, descobriram que os atletas que eram mais robustos mentalmente participaram em níveis mais elevados de competição numa variedade de desportos.
A RM parece ser multidimensional e está mais frequentemente associada a uma autoconfiança inabalável, à capacidade de recuperação após os fracassos (resiliência), à persistência ou recusa em desistir, a lidar eficazmente com a adversidade e a pressão e a manter a concentração face a muitas distracções potenciais. A maioria dos investigadores actuais sugere que a robustez mental de um indivíduo é determinada tanto por caraterísticas herdadas como pela aprendizagem, experiência e influências do meio (Bull et al., 2005; Gordon & Sridhar, 2005; Jones et al., 2002; Thelwell et al., 2005).
A investigação sobre a relação entre a robustez mental e o desempenho tem demonstrado, de forma consistente, que melhores desempenhos, tanto a nível cognitivo como motor, estão associados a níveis mais elevados de robustez mental (Crust & Clough, 2005) e que os atletas de elite têm uma maior robustez mental do que os atletas de nível inferior (Golby et al., 2003).
Contexto
É evidente que a RM é específica do contexto e da situação, pelo que, mesmo dentro do mesmo desporto, diferentes equipas e clubes terão um entendimento diferente do que significa ser robusto mentalmente. Pode acontecer que, num ambiente profissional, os valores presentes promovam a robustez mental como a permanência após o treino e a realização de exercícios após o treino, a análise do desempenho e o trabalho árduo em prol da equipa. Noutro ambiente menos profissional, pode acontecer que beber na noite anterior e, mesmo assim, ter um bom desempenho, seja visto como robustez mental. Aqueles que incorporam e vivem isto são então considerados pelos outros como tendo um nível mais elevado de RM.
Robustez Mental Funcional
Mais recentemente, a investigação revelou que a RM pode estar sujeita a variabilidade dentro de cada pessoa (Gucciardi 2017; Weinberg et al. 2017), e esta conclusão levou Cooper et al. (2019) a distinguir entre (1) Capacidade de Robustez Mental – uma propriedade duradoura semelhante a um traço (como o otimismo) que reflecte a quantidade máxima de robustez mental que um indivíduo pode demonstrar; (2) Robustez Mental Funcional (RMF) – uma capacidade manipulável, semelhante a um estado, para demonstrar um determinado nível de robustez mental no contexto em que a pessoa está a atuar. Especificamente, há três aspectos-chave que supostamente têm impacto na disponibilidade e acessibilidade da RMF a uma pessoa:
Prosperar, Preparar e Ativar.
- “Prosperar” refere-se a aspetos do bem-estar fundamental (como a nutrição, a hidratação, o sono e o stress).
- “Preparar”, por outro lado, está relacionado com a definição de objetivos significativos.
- “Ativar” refere-se a processos que podem ser utilizados durante o desempenho (incluindo o controlo da atenção e diálogo interno) (Cooper et al. 2019).
Embora reconhecendo que fatores fisiológicos e de personalidade de longa data podem ter impacto na RM, a distinção de Cooper et al. (2019) entre capacidade e robustez mental funcional fornece áreas específicas de foco para atletas e treinadores tentarem intervir dinamicamente para ajudar a otimizar a RM. Então, o que é que se pode fazer em relação à RM? Bem, a RM pode ser considerada um recurso específico do contexto e da situação que pode permitir aos atletas lidar com o stress. Ser rotulado como robusto mentalmente está ligado à incorporação dos valores presentes na cultura desportiva em que o atleta se insere.
Reflexão final
O conceito de “robustez mental” corre o risco de os atletas se sentirem relutantes em utilizá-lo, porque podem recear o risco de serem acusados pejorativamente de serem “mentalmente fracos”. O mundo do desporto de elite é altamente competitivo e os atletas são incrivelmente sensíveis ao risco de avaliação negativa e ao efeito estigmatizante de serem rotulados como sendo, de alguma forma, defeituosos ou de qualidade inferior. De facto, a investigação indica que a preocupação de serem vistos como fracos impede os comportamentos de procura de ajuda. A MT como designação coloca desafios consideráveis para ajudar a encorajar um espírito de abertura sobre questões de saúde mental no desporto.
Ser robusto mentalmente pode também significar dizer que não a comportamentos que não estão alinhados com os nossos objectivos e os nossos valores.
Ser robusto mentalmente também é saber o que é importante para nós e partilhar isso com as pessoas que partilham a vida connosco (pais, amigos, treinadores, etc.).
Ser robusto mentalmente também é saber pedir ajuda quando necessário.
Ser robusto mentalmente não é ser perfeito, é acima de tudo ser humano.
Os atletas paralímpicos são exemplos de robustez mental, e de nos mostrar que muitas das nossas limitações passam pela nossa resistência em lidar com a nossa realidade.
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